A Paróquia de Nossa Senhora do Carmo, localizada na Vila Maristela, em Presidente Prudente (SP), pediu desculpas publicamente após a repercussão nas redes sociais de uma fala feita pelo missionário Roberto Tannus que aconselha pais a não aceitarem o que ele chamou de "pecado" na escolha da orientação sexual por seus filhos.
No vídeo que circula pelas redes sociais, o missionário declara: "Estou falando com tanto amor. Tem tantos pais e tantas mães que têm me procurado e falam assim: 'Meu filho entrou em uma orientação sexual que a igreja diz que é pecado'. Não se culpe, pai. Não se culpe, mãe. A volta é possível, mas não concorde com o pecado, mas ame o pecador. Amem, mas diga que você não aceita esse pecado e você não vai morrer vendo esse pecado do filho e da sua filha. Você não vai atrás dessa moda, você não vai atrás dessa moda, que essa mídia pecaminosa contra a família está passando. Bloqueie esses canais, que vão propagando a ideologia de gênero, aborto, bloqueie. Na minha casa, esses canais estão bloqueados, é contra a família. Na minha casa, mando eu. Se alguém quiser ver aquelas novelas indecentes, na minha casa não entra lixo. Lixo não se entra na casa. Eu tenho certeza que ninguém ficou ofendido. Eu falei com muito amor, não falei?".
O Grupo SomoS LGBTI+, de Presidente Prudente, disse ao g1 que considerou a fala do missionário "claramente homofóbica". Além disso, pontuou que o posicionamento pregado por Tannus reflete um discurso ainda amplamente disseminado por evangelizadores cristãos, que continuam insistindo em associar a homossexualidade com doença ou com algum tipo de influência espiritual maligna, induzindo os fiéis à acreditarem que é algo que precisa ser "tratado'' e pode ser ''curado''.
"Isso é homofobia escancarada", declarou o grupo.
O grupo foi a público em "defesa de toda a comunidade LGBT+" para declarar a "reprovação e indignação com relação ao teor das infelizes declarações do respeitado sacerdote que, apesar de possuir reputação internacional dentro da comunidade católica, se mostrou pouco afinado com a essência dos próprios evangelhos cristãos".
'Totalmente contrária'
Em uma nota publicada nas redes sociais, a Paróquia de Nossa Senhora do Carmo, na pessoa do padre Rodrigo Gomes, se solidarizou com todos que se sentiram ofendidos, durante a "Noite de Cura e Libertação", com a forma com que o pregador Roberto Tannus tratou da orientação sexual das pessoas (veja íntegra da nota na imagem acima).
"A paróquia é totalmente contrária a qualquer tipo de intolerância, discriminação e preconceito. Nossa comunidade sempre foi e continuará a ser um local de acolhida a todos, sem distinção. Diante disso, esclarecemos que, apesar de o espaço da pregação na igreja ser democrático e de livre expressão, não comungamos de todos os pensamentos que sejam ali expostos. Aliás, repudiamos os que provoquem dor ou ofensas", colocou a igreja.
"Certa de que nossa comunidade agirá com bom senso e compreensão, a Paróquia Nossa Senhora do Carmo mantém-se firme na posição de acolhimento e diálogo a respeito do tema e pede desculpas por todo o ocorrido, além de reafirmar nosso compromisso de ser um olhar e um coração cristãos, jamais emitindo um julgamento não misericordioso a qualquer pessoa", concluiu.
Em entrevista ao g1, Roberto Tannus se posicionou sobre o assunto e disse que uma parte de sua pregação foi retirada de contexto e colocada nas mídias sociais (veja o posicionamento completo dele no fim desta reportagem).
'Não é motivo de vergonha'
Em resposta à colocação de Tannus, o Grupo SomoS LGBTI+ declarou que as pessoas não devem se envergonhar jamais pela orientação sexual que possuem.
"Essa é uma característica natural do ser humano, como tantas outras, e não há nenhuma 'opção' nisso, e tampouco se trata de qualquer 'moda', como ironicamente afirma o fiel palestrante. As mães e pais, a quem o orador se refere, também não precisam se envergonharem ou se culparem por nada a esse respeito. Suas filhas e filhos são pessoas dignas, que possuem caráter honroso e bondade no coração, são honestas, solidárias e justas. E isso deve ser suficiente para que uma pessoa seja admirada por sua família, respeitada e valorizada em sua sociedade e abençoada pelo Deus de sua fé", pontuou o grupo.
"Um amor correspondido, independente do gênero, vivido entre duas pessoas adultas e conscientes do que desejam, não é motivo de vergonha pra ninguém. E muito menos uma doença que precisa ser curada", prosseguiu.
O Grupo SomoS LGBTI+ ainda afirmou que as "lamentáveis declarações do prestigiado pregador" têm seu dano potencializado ao serem trazidas num contexto em que se oferece "Cura e Libertação".
"Novamente, vemos influentes representantes da igreja cristã associando a orientação homoafetiva com doença ou possessão, sendo esse discurso responsável por muitos suicídios e homicídios que tiram vidas de milhares de jovens LGBTI+ por todo mundo e, principalmente, no Brasil", disse.
Quando fez a fala, Roberto Tannus, que é de Goiânia (GO) e que se identifica em sua biografia como escritor, pregador e missionário da Igreja Católica, participava da segunda "Noite de Cura e Libertação", um evento promovido pela Paróquia de Nossa Senhora do Carmo, em Presidente Prudente, entre os dias 19, 20 e 21 de outubro.
Tannus palestrou no evento de Cura e Libertação durante as três noites. As pregações foram transmitidas em plataformas digitais, no entanto, o vídeo da segunda noite do evento, o qual gerou a polêmica, não está disponível nas plataformas digitais da igreja. Apenas estão publicados os vídeos da primeira e da terceira noites de pregação do missionário.
'Ideologia de gênero'
Com relação ao que foi referido na pregação sobre a interferência da mídia, a qual o "afável missionário classificou amorosamente de lixo”, o Grupo SomoS LGBTI+ alegou que existe um volume incomparavelmente maior de conteúdo com mensagens discriminatórias e preconceituosas dirigidas contra pessoas LGBTI+ sendo disseminadas atualmente, sobretudo em veículos controlados por ordens religiosas, do que a veiculação de conteúdos que reconhecem e legitimam a diversidade de gênero e sexual humana, o que demonstra inverídica a alusão de que a mídia exerça qualquer influência na definição da orientação homossexual de alguém.
"Ao contrário, reforçam constantemente os padrões binários e conservadores hegemônicos na sociedade. Dessa forma, se a orientação sexual e a identidade de gênero das pessoas pudessem ser definidas por influência da mídia, só existiriam pessoas cis, heteros, machistas, sexistas, capacitistas e racistas nesse país. Pois são esses valores controladores, opressores e segregacionistas que a mídia predominantemente reproduz todos os dias", pontuou.
Sobre a menção de “ideologia de gênero”, feita por Tannus durante a pregação, o grupo ressaltou que tal compreensão não tem origem no pensamento e não faz parte das pautas do movimento LGBTI+.
"Acreditamos que a única concepção no campo do gênero que se assemelha a uma 'ideologia' é a que parte da premissa de que só se pode viver no mundo cumprindo o papel de homem ou mulher determinado exclusivamente pela anatomia genital verificada no nascimento. Isso sim é uma ideologia de gênero, rígida, compulsória e artificial, que causa dor, sofrimento, exclusão, violência e morte para milhões de pessoas que se recusam a vivenciar seu gênero e sua sexualidade dentro dessas demarcações artificiais que negam a existência natural da diversidade humana", disse o grupo.
"Natural é aquilo que se constitui de forma livre e espontânea. Não dá pra dizer que é natural algo que precise do controle coercitivo da família, da educação, da mídia, da política e da religião para ser seguido. Portanto, é evidente a artificialidade dessa sexualidade hetero-binária compulsória que necessita de amplo controle repressivo da sociedade para ser aderido. O que mais pode ser tão ideológico quanto esse exaustivo controle dos gêneros e das sexualidades humanas?", ressaltou.
Além de reprovar a fala do missionário, o grupo também justificou que decidiu se manifestar publicamente sobre o assunto como forma de "oferecer um amparo a todas as pessoas LGBTI+ que se sentiram intimidadas, diminuídas, ofendidas e injustiçadas pelas estigmatizantes declarações" de Tannus.
"Nos vemos no dever de nos posicionar perante o ocorrido, não com a intenção de depreciar ou afrontar a estimada paróquia, mas com o objetivo de oferecer um amparo para todas as pessoas LGBTI+ que se sentiram intimidadas, diminuídas, ofendidas e injustiçadas pelas estigmatizantes declarações do insigne sacerdote católico", salientou.
"Por fim, pedimos à Nossa Senhora do Monte Carmelo que inspire os sacerdotes de sua abençoada paróquia prudentina, para que possam usar com sabedoria sua liberdade de culto e de expressão da fé, para que os ritos e pregações que promova não sejam ambientes de disseminação de discursos que reforcem preconceito, discriminação e façam pessoas que também são cristãs se sentirem ofendidas e injustiçadas", insistiu.
"Entendemos que são as pessoas que disseminam tal visão de mundo preconceituosa que precisam ser curadas e libertadas de todo bloqueio e ignorância que possuem no coração, e não as pessoas que só querem ser livres para se amarem e construírem juntas um mundo de paz e harmonia entre todos seres humanos. O preconceito e a ignorância têm cura. Ninguém precisa morrer com esse peso e amargor no coração. A volta é possível", concluiu.
'Retirada de seu contexto'
Ao g1, Roberto Tannus falou a respeito do ocorrido. O posicionamento, segundo ele, é em respeito à Paróquia de Nossa Senhora do Carmo e a todos que estavam presentes na pregação ou a acompanharam pelas mídias sociais.
"Me posiciono a respeito de uma parte da pregação que foi retirada de seu contexto e colocada nas mídias sociais. Há mais de quarenta anos sou pregador e missionário da Igreja Católica, tenho 64 anos, esposa, três filhos e cinco netos. Essa é a primeira vez que terei que me pronunciar sobre algo que disse em alguma de minhas pregações, afinal, sempre me pautei no respeito, no amor e no que ensina a Santa Igreja Católica. E este pronunciamento se dá devido a um erro de interpretação de uma frase que eu disse durante minha pregação", disse ele ao g1.
Em primeiro lugar, Tannus alegou que "sempre fica tendencioso um trecho de uma pregação retirada de seu contexto e compartilhado apenas um pedaço, como se refletisse o todo que estava sendo dito naquele momento".
Em relação ao vídeo, o missionário falou ao g1 que desde o início enfatizou que estava "falando com tanto amor", afinal, conforme ele, "somos todos pecadores que devemos buscar a santidade para um dia contemplarmos Deus face a face. E, para a Igreja Católica, o homossexualismo, como diversas outras atitudes, é pecado, como nos ensina o Catecismo da Igreja Católica parágrafos 2357, 2358 e 2359".
Para a Igreja Católica, segundo Tannus, todos os que estão fora do matrimônio são chamados à castidade. Ou seja, o heterossexual que não tem o matrimônio ou o homossexual são chamados a viver em estado de graça para que possam estar mais próximos de Deus e comungar Jesus Sacramentado, de acordo com o missionário.
"Não é à toa a primeira frase que digo é 'estou falando com tanto amor', pois o já citado Catecismo da Igreja Católica, em seu parágrafo 2358, nos ensina que as pessoas que têm tendências homossexuais 'devem ser acolhidas com respeito, compaixão e delicadeza'. Ademais, 'evitar-se-á, em relação a eles, qualquer sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar na sua vida a vontade de Deus e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar devido à sua condição'", justificou.
"Ou seja, baseado no que nos ensina a própria Igreja, tratei todos e todas com respeito e amor, todavia alertando sobre este pecado e diversos outros que foram citados anteriormente na pregação, mas que não foram colocados no vídeo. Para sermos justos, o correto seria que a pessoa que divulgou o vídeo divulgasse também o trecho anterior, em que ensino sobre outros pecados. Afinal, expondo apenas este trecho, gera uma suposição de que eu falei apenas sobre homossexualismo e não sobre outros temas", explicou ao g1.
Mas, no ponto de vista do missionário, o cerne de toda a problemática foi uma palavra dita por ele: “lixo
"Todo esse problema surgiu por uma clara falha de interpretação. Enquanto eu falava da programação de canais TV que propagam ideologia de gênero e aborto, eu disse: 'Se alguém quiser ver aquelas novelas indecentes, na minha casa não entra lixo'. Evidentemente, a palavra 'lixo' se referia às novelas indecentes, afinal eu me referia à programação desses canais. Alguns, ao invés de ligar a palavra “lixo” à palavra “novelas”, ligou a palavra “lixo” à palavra “alguém”. Talvez, eu deveria ter me expressado da seguinte forma: “Se alguém quiser ver aquelas novelas indecentes, na minha casa não é permitido tal programação, pois na minha casa não entra lixo”, argumentou Tannus.
Algumas pessoas, segundo Tannus, interpretaram como se ele estivesse chamando o ser humano de lixo.
"Como seu eu tivesse dito que a pessoa homossexual é um lixo. Obviamente foi um equívoco de quem assim entendeu. Como eu disse um pouco antes no vídeo 'não concorde com o pecado, mas ame o pecador'. Ou seja, o ser humano, independentemente de sua orientação sexual, deve ser amado e respeitado como filho de Deus. E, quem ama de verdade, quer que o outro vá para o céu, por isso a Igreja Católica nos ensina o caminho a seguir", argumentou.
"Cabe a mim, como cristão, pedir perdão àqueles e àquelas que se sentiram ofendidos(as), mesmo que a interpretação esteja incorreta. Peço também perdão à Paróquia Nossa Senhora do Carmo e a seu pároco padre Rodrigo por viverem esta situação. Que Deus abençoe a todos", pontuou o missionário ao g1.